Como encontrar um tema para a tese

Um dos momentos mais difíceis no estudo das políticas públicas é a escolha do tema e da pergunta de partida para a tese. No entanto, muitos alunos só se apercebem disto pouco antes do prazo de inscrição. Nessa altura já pode ser tarde demais para encontrar um tópico interessante, relevante e viável.

Porquê? Porque uma boa questão de partida deve corresponder a uma série de critérios. Segundo Halperin and Heath (2012: 126), uma questão de pesquisa deve ser (1) relevante para um campo de investigação dentro das políticas públicas, (2) “pesquisável”, e (3) ainda sem uma “resposta definitiva”. King, Keohane e Verba (1994: 15) acrescentam que “(u)m projecto de pesquisa deve colocar uma questão que é ‘importante’ no mundo real.” Finalmente, Andrews (2003: 2) lembra o mais óbvio: uma pergunta de pesquisa deve ser formulada de modo que seja possível dar uma resposta (“A research question must be answerable.”).

Para que a pergunta de pesquisa responda a esses critérios, é preciso ler, ler e ler. Só quem tem algum conhecimento dos actuais debates teóricos e empíricos na sua área da análise das políticas públicas pode avaliar a relevância duma determinada questão para esta disciplina. Consequentemente, antes de formular a pergunta de partida, é preciso rever a literatura académica sobre o tema de interesse. O conhecimento daquilo que já foi estudado ajuda-nos a saber se uma pergunta de pesquisa é relevante para a disciplina, se é “pesquisável”, e se vai ser possível dar uma resposta fundamentada dentro do âmbito limitado dum trabalho final de curso. Esta leitura indispensável não pode ser deixada para o último momento. Sempre que possível deve começar logo no início dos estudos.

Mas a leitura por si só não chega. É preciso pensar como um cientista político. Em vez de simplesmente memorizar o que se leu, é preciso refletir sobre aquilo que ainda não se sabe. O verdadeiro objectivo de uma revisão bibliográfica é identificar as lacunas mais relevantes no nosso conhecimento científico. É saber o que merece ser estudado no futuro mais próximo. Por isso, a leitura da bibliografia deve ser acompanhada por uma constante reflexão sobre a melhor forma de traduzir as lacunas do nosso conhecimento em perguntas de pesquisa interessantes que correspondam aos critérios acima mencionados.

Para facilitar essa reflexão, é preciso familiarizar-se com a estrutura da pesquisa científica. King, Keohane e Verba (1994: 7-8), o principal objetivo da pesquisa científica (e aquilo que distingue a observação científica de outras formas de observação) é a inferência, isto é, “o processo de usar os factos que conhecemos para aprender sobre factos que não conhecemos” (King et al 1994: 46). “Os factos que não conhecemos são os sujeitos das nossas perguntas, teorias e hipóteses de pesquisa. Os factos que conhecemos formam os nossos dados (quantitativos ou qualitativos) ou observações” que serão utilizados para averiguar se as nossas teorias e hipóteses são correctas.

“Inference is the process of using the facts we know to learn about facts we do not know. The facts we do not know are the subjects of our research questions, theories, and hypotheses. The facts we do know form our (quantitative or qualitative) data or observations.”

Assim, uma pergunta de pesquisa nas políticas públicas normalmente contém alguns dos seguintes elementos: (1) uma observação relacionada com políticas públicas que necessita de explicação (um “puzzle”), 2) uma teoria ou um conceito explicativo da disciplina das políticas públicas que pode ajudar a resolver o puzzle, (3) a identificação de um actor (coletivo ou individual) que tem um papel importante na política em questão, (4) uma delimitação geográfica ou temporal do objeto de análise e (5) a identificação dum estudo de caso para testar a teoria explicativa e as hipóteses subjacentes.

E porque tudo isso é muito teórico e abstrato, desenvolvi um gerador de títulos para teses de Mestrado ou de Doutoramento que integra de forma aleatória os principais elementos de uma questão científica: observações que necessitam de explicação, abordagens teóricas para a explicação, atores principais, uma limitação temporal ou geográfica e um estudo de caso concreto que permite testar o poder explicativo da teoria.

É claro que os tópicos aqui gerados não são tópicos para teses reais. Mas eles ilustram a estrutura de uma questão de pesquisa científica na área da ciência política e das políticas públicas. Embora o gerador produza mais que 15 milhões de tópicos aleatórios, muitas vezes até bastante absurdos, ele ajuda a perceber a estrutura das questões científicas. Experimentem!

 

Political Science Thesis Generator

Bibliografia

Andrews, Richard (2003): Research Questions. London: Continuum.

Halperin, Sandra; Heath, Oliver (2012): Political Research: Methods and Practical Skills. Oxford: Oxford University Press.

King, Gary; Keohane, Robert O.; Verba, Sidney (1994): Designing Social Inquiry: Scientific Inference in Qualitative Research. Princeton: Princeton University Press.

 

Pensar como um cientista político

Hoje descobri o livro “Thinking like a political scientist“ de Christopher Howard. Ainda não o li, mas já o encomendei e com um pouco de sorte a Amazon vai trazé-lo já na próxima semana. O que chamou a minha atenção foi esta recensão no LSE Review of Books. Na parte mais interessante da recensão o autor, o politólogo Iván Farías Pelcastre, escreve que o livro está dividido em duas partes: “fazer boas perguntas” e “obter boas respostas”.
“The book is divided into two main parts: ‘Asking Good Questions’ and ‘Generating Good Answers’. In Part One, the author introduces readers to the significance and value of asking – and confidently answering – the three main questions underlying any worthy political research: ‘who cares?’; ‘what happened?’; and ‘why?’ (…) In Part Two, meanwhile, the author provides a short guide to some of the most common and essential tasks of political scientists, including how to choose an appropriate research design; how to choose and conduct experiments to test a given hypothesis; how to select suitable cases; and how to use evidence to adequately support one’s arguments and hypotheses.”
O que há de tão interessante nisso? Não é trivial afirmar que a investigação científica consiste em perguntas e respostas? Aparentemente não. Basta olhar para uma amostra aleatória de trabalhos de estudantes para ver que são precisamente estes dois elementos essenciais da investigação científica – boas perguntas e boas respostas – que muitas vezes estão ausentes neles. O que é que leva um aluno a escrever um trabalho de investigação sem uma pergunta bem definida?
 
A resposta está no título do livro de Christopher Howard, “Thinking like a political scientist”. Aparentemente, muitos estudantes na área das políticas públicas [e não só] têm dificuldades em deixar de pensar como um “aluno” e começar a pensar como um “cientista”. Em vez de procurar perguntas para as quais ainda não existem respostas, contentam-se com a reprodução daquilo que já é conhecido. O ensino superior, nesta perspectiva, é pouco mais do que uma continuação linear do ensino secundário. Da perspectiva do “aluno”, a acumulação de conhecimento já existente é vista como um fim em si mesmo. Para o “cientista”, por outro lado, o conhecimento só interessa quando traz algo de novo. E isso envolve dois passos: 1) identificar uma pergunta para a qual ainda não há resposta, e 2) encontrar essa resposta através duma análise sistemática e estruturada do conhecimento existente.
 
Obviamente, pensar como um cientista é intelectualmente exigente. É um desafio para os docentes e as universidades incentivar os estudantes a dar esse passo. O livro de Christopher Howard pode ser uma ajuda. É pena ser em inglês e não em português.